quinta-feira, 20 de agosto de 2015

A lenda de Santo Amaro

Segundo relatam as crónicas, Santo Amaro era um nobre pio de Ásia que vivia com a obsessão de visitar o Paraíso Terrenal. Com este fim, perguntava a todos os seus hóspedes sobre a maneira mais ajeitada de chegar a ele. Ao não receber uma resposta satisfatória abandonou-se à desesperação e ao pranto, até que uma noite Deus se lhe apareceu e revelou-lhe como conseguir o seu objetivo: Construindo uma barca e seguindo com ela o caminhar do Sol a través do Oceano. Tendo-se lançado ao mar, navegou durante sete dias e sete noites até chegar à Terra Deserta. Era esta um país ubérrimo que contava com cinco cidades habitadas por homens grosseiros e horríveis e mulheres muito formosas. 
Barca de Santo Amaro
Depois de ter passado seis meses nesta terra uma voz exortou-no em sonhos a deixar esta terra maldita por Deus. Após fazer-se ao mar, navegou pelo Mar Vermelho até que chegaram à Fonte Clara, onde a gente era formosíssima e vivia uma vida plácida que durava trezentos anos. Amaro ficou em tal lugar durante três semanas até que uma mulher anciã aconselhou-no abandonar a ilha para não se habituar à boa vida.
Uma vez partiram da ilha, navegaram durante muito tempo sem saberem onde é que estavam até que divisaram uns barcos que pensaram poderiam auxilia-los. Mas qual seria a sua surpresa que quando arribaram ás naves acharam-nas invadidas por monstros que levavam os cadáveres às profundidades: Chegaram ao Mar Coalhado. Amaro não soube nesse instante como sair do transe, mas nesse momento apareceu-se-lhe uma mulher numa visão que, acompanhada doutras donzelas, diz-lhe de verter o conteúdo dos odres de vinho e azeite ao mar, e depois disso deveriam enche-los de ar. Assim fizeram os freires e o barco logrou sair do Mar Coalhado.
Três dias depois arribam a uma Ilha Deserta chamada Breasil, habitada por bestas selvagens e hostis de cara aos homens. Ali acharam um eremita que lhes diz que a vida na ilha é quase impossível por causa das bestas que ali moram, que se aniquilam em combate o dia de São João, ficando o fedor dos seus cadáveres durante todo o ano. O eremita forneceu-nos de todo o que precisavam e encomendou-nos para se dirigirem rumo do Oriente, onde há uma terra muito formosa que satisfaria todas as suas necessidades.
O eremita da Ilha
Partiram, portanto, de cara aquele lugar justo o daí seguinte e chegaram ao seu destino à hora sexta (as três da tarde). O primeiro que acharam foi um formoso mosteiro chamado do Valdeflores, do que saiu para recebe-los um freire de cabelos brancos chamado de Leónites. Este comunica a Amaro que tinha recebido a nova da sua chegada a través duma visão, e depois disso deu-lhe instruções sobre como chegar ao Paraíso Terrenal

- Dirija-se com a sua barca de cara um cais onde deve ficar um mês, depois dirija-se até um vasto e fragoso vale, onde conseguirá os seus anelos. 

Após concluir a sua explicação, Leónites bota a chorar, queixando-se de ter achado o homem que mais queria neste mundo e que agora vai abandona-lo. Mas nesse instante chega Baralides, uma mulher de vida santa que agasalha Leónites com uma pola da árvore do conforto que é, junto com a árvore do amor doce, uma das árvores do Paraíso Terrenal. Com isso Leónites fica consolado.
Barálides
Santo Amaro encaminhou-se ao lugar indicado por Leonites, onde permaneceu um mês. Uma vez transcorrido este tempo abandonou os seus companheiros e dirigiu-se de cara o cobiçado Vale. Depois de procurar durante dous dias chega a um mosteiro feminino situado num outeiro e que se chamava de Flor das Donas. Ali tinha chegado havia uns dias Baralides, que tinha o costume de comungar com as irmãs na Páscoa de Ressurreição, pelo Natal e na Cinquesma. O santo ficou naquele lugar durante os 17 dias nos que recebeu instruções de Baralides para chegar ao Paraíso Terreal.

Finalmente, ambos partiram de cara aquela lugar, e depois de atravessar uma ampla serra chegaram aos confins do Paraíso Terrenal. Santo Amaro, ali recebeu um hábito branco, elaborado por Brigida, sobrinha de Baralides que vivia no Paraíso Celta. Amaro despediu-se de Baralides e começou a caminhar em solitário pela ribeira do Paraíso.

Brígida, sobinha de Baralides
O que viu não pôde ser mais impressionante: Diante dele estava a se erguer um enorme castelo construído com pedras e metais preciosos, com ameias de ouro e torres de rubi, muros multicolores cujos tijolos, por vezes eram brancos e por vezes de cores safira e esmeralda. Amaro achegou-se à entrada e petou na porta. O porteiro do castelo sai e diz-lhe:

- Perante os teus olhos tens o Paraíso Terrenal mas a tua condição de ser humano impede que possas entrar aqui, sendo-che proibida a entrada. 

O santo, com humildade rogou-lhe que o deixasse continuar a ver mais um bocado pela fenda da fechadura 

O guardião acedeu e perante os olhos de Amaro apresentaram-se todas as maravilhas do Paraíso: 
Viu a árvore da vida, da qual saíra a maçã que comera Adão. Também viu verdes pradarias onde imperava uma primavera perpétua e eterna e das que abrolhava um recendo delicioso. Da mesma forma viu árvores enormes cujas comas não podiam ser vistas e nas que se pousavam pássaros cujos chios eram tão fascinantes que podiam ser escutados durante mil anos e pareceria que tivesse passado só um dia. Por todos os lugares deambulavam rapazes com instrumentos cuja música era indescritível, como também transitavam felizes belas donzelas ataviadas com grinaldas e vestidos brancos ao redor da mais formosa de todas delas, a Virgem Maria.
O Paraíso
Santo Amaro, perante todas estas maravilhas, roga ao vigilante que lhe deixe entrar. O guarda não pode deixá-lo passar e portanto tem que lhe dizer que se o deixar incumpriria as ordens diretas da mais alta autoridade divina, rechaça o seu pedido com toda a amabilidade e diz-lhe que durante a sua breve visão do Paraíso já tinham transcorrido 300 anos. Amaro regressa, portanto, muito entristecido por não ter podido entrar naquele maravilhoso e sagrado lugar sem ter total consciência do tempo passado. Assim, depois de caminhar chega ao porto onde tinha deixado os seus companheiro e a sua grande surpresa é que acha uma cidade que levava o seu nome. Fala com a gente, desconhecida para ele e identificando-se como quem é perante a surpresa de todos e após contar-lhes a sua história, os moradores da Vila de Santo Amaro acabam reconhecendo-o como quem realmente é. Com toda a felicidade da população que vê como depois de trezentos anos o herói que se foi havia três séculos aparece de novo entre eles, decidem levantar-lhe uma casa à beira do Mosteiro de Valdeflores, onde viveu mais uns anos até morrer santamente com a felicidade de que uma vez morto poderia ter a possibilidade de entrar finalmente e definitivamente no Paraíso que tanto desejou. O seu corpo foi soterrado ao lado da sua bem querida Baralides e a sobrinha desta, Brígida.


 P. d'Azevedo, Viagem á ilha de "Solistitionis" (Ms. do século XIV), Boletim da Clase de Letras. 622-629, Academia das Ciencias de Lisboa 12 (1918)

Trezenzonii de Solistitionis Insula Magna

Immram

Trezenzónio