quarta-feira, 15 de junho de 2011

1701



Autor:Fabio da Silva B.

Acordei ainda inebriada pela manhã de prazer com Morgana. Morgana... Era assim que gostava de ser chamada. Minha machinha. Passei as mãos pelo seu corpo nu. Tomei banho e me arrumei. Tinha cliente marcado cinco da tarde. Queria sair antes que ela acordasse. Se me visse indo, poderia estragar tudo com suas crises de ciúme. Sabia que meus clientes tinham algo com que não poderia competir. Isso a deixava louca. Mas, ela se esquecia do mais importante. Eram apenas clientes. Depositei o dinheiro da cerveja em baixo do cinzeiro que transbordava de bingas e saí.

Ao abrir a porta, o senhor que mora em frente abriu a janelinha. 
- Boa tarde, princesa!

Coitado. Deve passar o dia esperando eu abrir a porta para olhar pela janelinha com aquela cara de tarado e me saudar com suas frases feitas. Balancei a cabeça com um sorriso cínico e prossegui. O elevador ainda estava com defeito. A proprietária deveria abater isto no aluguel. Um dos argumentos usados para cobrar esse absurdo por mês, foi o fato do prédio ter elevador. Ratos e baratas disputavam os cantos. O porteiro está sempre dormindo, bêbado.

- Como é Seu Oligário? Assim vai cair da cadeira.
Ele abriu os olhos assustado.   
- Oi Dona Clarice... Bom dia...
- Boa tarde!
Respondi com o mesmo sorriso que havia usado para cumprimentar meu vizinho. Era uma forma de agradar. Sabia que eles gostavam quando usava esse artifício. Descendo os degraus que desembocavam na rua, ainda pude ouvir seu suspiro.

- Gostosa !!!

Deve ter voltado a cochilar logo que dobrei a esquina. Veio um táxi. Fiz logo sinal. O motorista parou. Entrei séria. Disse o endereço acompanhado de um discreto sorriso. Cínico, como todos os outros. Desci no restaurante combinado. O cliente já estava me esperando na varanda, tomando sua Tequila com limão e petiscando algo que daquela distância pareciam azeitonas. Assim que cheguei me elogiou, como sempre. Esqueci de conferir se eram mesmo azeitonas no pratinho. Conversamos sobre banalidades. Ele era jovem, bonito e tinha dinheiro. Nunca entendi porque precisava de meus serviços. Qualquer mulher poderia aprender a manusear os consolos de que tanto gostava, sem maiores sacrifícios. Pedi suco de laranja. Dentro de meia hora estávamos no motel.

Eram por volta das vinte e uma quando pedi que me deixasse na boate. Foi uma noite movimentada. Morgana apareceu perto da hora de fechar. O segurança criou problema por ter ordens de não deixa-la entrar. Na última vez abriu um gringo a facadas e deu a maior merda. Conversei com ela, mas não adiantou. Deve ter bebido a tarde toda. Saiu me amaldiçoando e disse que quando voltasse conversaríamos. Suspirando entrei. Ela sabia que ficaríamos na pior se arranjasse um desses empregos de salário mínimo. Atendi mais dois clientes e fui para o banho. Algumas meninas dormiam por lá, mas se não fosse para casa, ia ter problemas.

O táxi que havia pedido já estava esperando. O motorista tentou puxar assunto, mas eu não estava para muito papo. Só pensava em Morgana e na chateação que iria ter quando chegasse em casa. Estava torcendo para que ela estivesse na rua. Pelo menos chegaria bêbada, ao invés de me alugar com suas crises de ciúmes. Às vezes penso que seria melhor morar sozinha. Ou então, voltar para minha terra. A família ficaria feliz em me ver voltar. Mas agora não dava para isso. Tinha de juntar mais dinheiro. Estava pensando em comprar um carro. Mas carro era perigoso. O último que tive Morgana estraçalhou contra o poste. Quase perdi aquela danada. Se pelo menos tivesse juízo naquela cabeça...  Para que beber assim. Mas também, se não beber, fica pior. Ninguém agüenta. Ô coisinha braba que fui arrumar.

Quando nos conhecemos se vestia de cigana e botava cartas. Fui por indicação de uma amiga e realmente encontrei meu destino. A própria cartomante. Aqueles brincos enormes... Ficava linda com aqueles lenços. O nome havia tirado não sabia bem de onde. Disse que lembrava ter ouvido em algum lugar.  Coisas daquela cabeça maluca.

O porteiro estava dormindo. Passei em silêncio. Não estava para sorrisos cínicos. Abri a porta do apartamento. O vizinho da frente também estava dormindo àquela hora. Tomara que Morgana não resolva acordar todos os sonolentos com suas gritarias. A casa estava escura. Ouvi o barulho do chuveiro. Fui para o quarto. Estava tudo revirado. Uma bagunça só.

Deitei e fiquei esperando. Fechei os olhos, para no último caso, fingir que dormia. Ela não veio. Muito tempo se passou. Talvez mais de uma hora. Levantei devagar. O que estaria tramando? Às vezes me assustava com seu lado sombrio. Nunca sabia o que esperar. Bem devagar, fui até a porta do banheiro. Estava entreaberta. Empurrei com cautela. Qual loucura desta vez?

- Morgana?

         Ninguém respondia. Dei uma espiada. Não poderia ser. A silhueta que vi através das paredes plásticas do box registravam algo terrível. Disparei pelo cômodo abrindo a porta que me separava do meu amor. O corpo estava caído. Sem vida. Parecia uma marionete esquecido por seu dono. A barriguinha, inchada pelo álcool, tapava parte de sua xota cabeluda. Abracei-a em prantos sem saber o que fazer. Era o terror jamais sentido. A água nos molhava, enquanto pedia para que se levantasse. Só depois observei o sangue tingindo o chão do banheiro. Ainda não tinha me recuperado quando os policiais chegaram. Não saberia dizer quanto tempo passou, ou como souberam que precisávamos de ajuda. Agora, estou aqui. Tomando banho de Sol no pátio. Nunca saberei o que se passou em nosso apartamento. O número 1701 de um prédio, no centro da Vigo. Fui à única suspeita. Seu Oligário não havia visto ninguém entrar ou sair do prédio. Os vizinhos disseram que brigávamos muito, por isso não estranharam aquela gritaria. Uma coisa é certa e só eu sei. Eu não estava lá. 



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